26/03/2024

Empresas vivem momento de incerteza sobre regulamentação da reforma tributária

Por: Adriana Fernandes
Fonte: Folha de S. Paulo
A poucas semanas do envio dos projetos de regulamentação da reforma
tributária, empresas, mercado financeiro e tributaristas vivem momento de
dúvidas em torno das propostas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O Ministério da Fazenda criou 19 grupos de trabalho para fechar os projetos e
acenou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que trabalha para enviar
os textos até o final da primeira quinzena de abril.
Até o momento, no entanto, nenhuma versão das minutas dos anteprojetos de
lei complementar foi divulgada ou é de conhecimento da opinião pública. Com
isso, há incertezas sobre o tamanho da carga tributária resultante.
As principais dúvidas das empresas, relatadas à reportagem da Folha, são em
relação ao potencial de créditos que poderão aproveitar no novo modelo, além
da forma de aproveitamento pelas companhias.
Esse ponto é considerado o coração da reforma com o IVA (Imposto sobre
Valor Agregado) dual: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o
IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios.
O sistema de crédito é essencial para definir o nível de carga tributária a que os
setores estarão sujeitos, de acordo com os especialistas. O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, ainda não divulgou os novos parâmetros da alíquota.
Pelo modelo de tributação do IVA, cada empresa recolhe efetivamente apenas
o imposto referente ao valor que adicionou ao produto ou serviço. Todo o
tributo pago na aquisição de insumos ao vendedor, incluindo gastos com
energia, telefonia, marketing e transporte, vira crédito.
Muitas consultorias têm assessorado as empresas para fazer as simulações da
nova carga tributária com base na emenda à Constituição aprovada em
dezembro, o que tem sido chamado pelas empresas de "calculadora" da
reforma.
O problema é que esses cálculos precisam das regras que serão estabelecidas
pelas leis complementares.
Outra grande preocupação levantada pelos especialistas está relacionada ao
chamado "crédito financeiro", uma inovação trazida pela reforma tributária —
mas que não foi tornada obrigatória na regra de compensação do crédito do
tributo (chamado de creditamento) da CBS e do IBS.
Por esse sistema, o crédito só pode ser aproveitado pelo comprador se o Fisco
receber de fato o valor do imposto. A reforma deixou para uma lei
complementar a tarefa de elucidar hipóteses em que o aproveitamento ficará
condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto.
Para facilitar esse trabalho, a regulamentação vai definir as regras para a
implementação do chamado split payment (ou pagamento dividido, em
tradução livre).
Trata-se de uma tecnologia a ser usada na liquidação financeira das operações
entre fornecedor e comprador. Com isso, o imposto pode ser pago já no
momento da compra. O banco separa, já na hora do pagamento, o imposto
para os cofres públicos e o valor destinado para quem forneceu o bem ou
serviço.
O modelo, porém, traz desafios e enfrenta resistência.
Segundo integrantes do governo, a regulamentação vai prever o split paymente
as situações em que ele pode ser utilizado. Um dos problemas a serem
resolvidos são as situações da prestação de serviços.
Caso haja o pagamento em dinheiro —prática comum no setor—, o split
payment não tem como ser aplicado. Isso gera riscos de as empresas
conseguirem fugir do pagamento de impostos.
Nos estados, há quem diz que o modelo não resolve os problemas operacionais.
Já os defensores alegam que muitos representantes dos governos regionais têm
encarado a regulamentação nos grupos de trabalho com o olhar do ICMS e do
ISS, impostos que serão substituídos pelo IBS.
A Febrafite, entidade que representa os auditores fiscais dos estados, é um das
críticas e publicou um artigo na Folha alertando para os riscos do split payment
de forma obrigatória.
No texto, Rodrigo Spada, presidente da organização, diz que a medida geraria,
na prática, um enorme mercado paralelo, informal e sem imposto. Os fiscais
desenharam um esboço próprio à Fazenda.
Pela proposta, o valor do IBS devido a cada operação deve ser indicado, linha
a linha, no documento fiscal relativo à operação.
O prazo para pagamento do IBS indicado no documento fiscal deve ser
definido para, por exemplo, dia 10 do mês seguinte ao da emissão do
documento fiscal, após o qual devem incidir acréscimos legais.
"Não é uma oposição [à proposta]. É um modelo que detalha como um split
payment pode ser bem feito, porque o diabo mora nos detalhes", disse Rodrigo
Frota da Silveira, auditor da Receita de São Paulo e membro do Comitê Técnico
da Febrafite.
Para o tributarista Luiz Bichara, os estados que são contra o sistema querem
continuar atrasando a devolução do crédito às empresas, como, segundo ele,
ocorre hoje. "Não tem outra razão para ser contra", afirmou.
Já no setor empresarial, a CNI (Confederação Nacional da Indústria)
apresentou contribuições e aguarda a apresentação dos textos pelo Ministério
da Fazenda.
Segundo o diretor de Relações Institucionais da CNI, Roberto Muniz, a ideia é
participar intensamente no Congresso das negociações. "Dentro da reforma são
muitos temas. Todos de alguma forma têm franjas na indústria", disse.
"São os PLs que vão estabelecer realmente como é que vai se dar o IVA. Quem
é que vai estar dentro, quem é que vai estar fora", afirmou Muniz.
O mais importante, segundo ele, é justamente a regulamentação do sistema de
crédito. A CNI teme ainda o aumento dos regimes de exceção.
No mercado financeiro, a preocupação é que não haja atrasos, o que pode
atrasar investimentos. Para Caio Megale, economista-chefe da XP
Investimentos, os investidores não vão decidir aplicar recursos sem estimar a
carga tributária.
"Se você perguntar para qualquer empresa do Brasil, ninguém tem conforto de
como vai ser o sistema tributário daqui a quatro, cinco anos", afirmou Megale.
Já Unecs (União Nacional das Entidades do Comércio e Serviços) também teme
atrasos. Na avaliação do presidente, João Galassi, é imprescindível que a
regulamentação seja feita no cronograma inicial previsto, entre os anos de 2024
e 2025, mesmo considerando os impactos das eleições municipais.
O que está em jogo na regulamentação da reforma tributária
O que o governo está discutindo agora?
Está preparando os textos dos anteprojetos de regulamentação da reforma
tributária. Foram formados 19 grupos de trabalho. Os textos passarão pelo
ministro Fernando Haddad (Fazenda) e depois pela Casa Civil antes de serem
encaminhados ao Congresso
Por que as empresas estão preocupadas?
Elas dizem que precisam se programar e querem saber qual será o tamanho da
carga tributária. Afirmam também que precisam fazer simulações porque
durante um período, até a reforma ser totalmente implementada, vão conviver
com dois sistemas: o atual e o novo
Que soluções são defendidas?
A solução que as empresas estão defendendo é que a alíquota não fique acima
de 25% e que, além disso, sejam definidas normas de implementação mais fáceis
e simplificadas. Elas também querem garantia de que vão receber o crédito do
imposto pago em etapas anteriores da produção na compra de insumos e
serviços